Dia 15 de janeiro, embarquei novamente para Brasília, passar o que restava das minhas férias vivendo a validade que ainda restava de uma paixão.
Nos dias que fiquei no Rio e ele em Brasília, a troca de mensagens era freqüente: sempre muito carinhosas, cheias de promessas, cheias de esperanças, cheias de comprometimentos... Mas cheias da realidade que ele, nada romanticamente, insistia em reforçar “... se tiver dor de cabeça (nessa relação) to fora”. A dor de cabeça dele? As minhas saídas. Devo dizer que eu o entendo, e vocês também vão: pensem no concurso mais pica que existe nesse país; então, ele está estudando pra esse concurso, e quer muito passar nele. Ta estudando que nem um louco, disciplina oriental, desvio ZERO do foco. Agora vocês imaginam ter que dividir seu tempo de estudos preocupado se a doida solta no RJ ta saindo com outros caras? Sim, porque essa era a preocupação dele. “Mas você não confia em mim?” “Não! (sorriso resignado)”. Ta, né? O que eu poderia fazer? Quer dizer, estava fazendo tudo que eu podia fazer, de verdade. Quando fui pra Brasília, na primeira vez (que deveria ter sido a única!), meu comportamento foi – segundo ele – super diferente de quando eu estava no Rio: “você diz onde vai, com quem vai, diz como foi, está mais atenciosa...” Ele estava se sentindo mais seguro, e teve dúvidas em “terminar comigo”. “Antes de você vir pra cá, eu pensei em terminar tudo assim que eu embarcasse pra Porto Alegre, mas você mudou tanto... que agora eu não sei o que eu quero, to confuso”. Bom, vamos voltar à narrativa principal.
Ainda no Rio, com a minha família toda aqui, as saídas eram constantes: praia, restaurante, lanche com as crianças, cinema, sambinhas. Das duas vezes que eu saí com o pessoal pra um samba e comentei com ele que iria, ele se mostrou bem tranqüilo... “Não, vai sim. Se diverte com a tua família”. Na sexta-feira antes da minha viagem, quando eu disse que iria à festa de uma amiga, no Teatro Odisséia, o discurso foi outro. No dia seguinte, sem bateria no celular, ele não fez questão de carregá-lo. Tentei falar o dia inteiro com ele, e não conseguia. Eu estava arrumando minha mala sem saber se deveria continuar, porque a pessoa me resolve sumir um dia antes da minha viagem! Quando consegui falar com ele e disse que não sabia se deveria continuar a arrumar a mala ele disse “Gabi, se não quiser arrumar, não arruma!” “Oi? Repete?”. Não lembro se ele repetiu. Acho que fiz questão de esquecer. Sair com a família é uma coisa, sair com os amigos é outra! Por quê????????????????????????????? Com a minha família eu sou santa e com os amigos eu sou.... pecadora (pra ficar só nos antônimos)? Mas não era hora pra entender, em menos de 24 horas estaria, mais uma vez, num avião. Preferimos não discutir.
Cheguei no aeroporto e como o vôo estava adiantado, fiquei alguns minutos esperando por ele no local combinado. Eu estava falando com uma amiga no telefone quando ele chegou. Me encheu de beijos, perguntou se eu estava há muito tempo esperando, me abraçou com saudade. As trivialidades dos dias não interessam, na verdade, era tudo como se fôssemos namorados e eu tentava ardorosamente não pensar num fim, no fim; me forçava a aproveitar os poucos momentos que poderíamos ficar juntos, e fazer tudo que eu tinha planejado, e falar tudo que eu tinha planejado, e me controlar tudo que eu tinha me prometido. Aquele era meu momento de eternizar um convívio que tinha data para acabar. Um convívio físico e emocional. Como se vive uma paixão, como se faz amor e se toma banho de banheira com espumas juntos, como se comemora um aniversário e se toma café juntos todos os dias, sabendo que – naquelas trocas intensas e infinitas de olhares – os dois estão se dizendo em silêncio que aquilo vai acabar? Eu sei que no meu silêncio, o meu olhar procurava desesperadamente no dele algum indício de que não precisava acabar. Mas acho que os olhos rasgados dele só conseguiam me dizer, com resignação, que a vida é assim mesmo; e eu sem saber o que ele procurava nos meus.
Planejamos sair com os amigos dele, fazer uma aula de dança juntos, ir ao cinema, ver filmes que ele queria que eu visse. Não fizemos quase nada disso, o que não tira a delícia que foi conviver com ele, dormindo e acordando todo dia junto, e ficar com ele o resto do tempo que lhe sobrava. Eu fui pra lá sabendo que ele estudaria todos os dias de 9 da manhã até as 7 da noite, mais ou menos, fora os dias que ele teria aula. E querem saber? Valeu a pena.
Numa sexta-feira eu dei um tiro no pé. Não literalmente, mas talvez tivesse doído menos se fosse. Brigamos, e pela primeira vez tocamos diretamente e sem rodeios no assunto “e depois dessa viagem?”; e pela quinta vez descobri que aquele menino tão mais lindo, com aqueles olhos rasgados, um sorriso enigmático e nome de deus era incomoda e humanamente real. “Depois dessa viagem, acabou, Gabi. Já sabíamos que seria assim. Você tem sua vida no RJ, sua vida de solteira, e nesse momento não posso e não quero me preocupar com o que você ta fazendo lá. Queria muito que desse certo, eu tentei, você tentou, mas não dá. Talvez agora não seja o momento, como não foi o momento dez anos atrás. Eu sei que eu disse que queria ficar com você, mas não dá, a gente ta vendo que não dá.” A frieza, a aceitação e a racionalidade dele sempre mexeram muito comigo. Ele sempre falou muito sereno que se a gente desse certo, bem, se não, tudo bem também. E que não adiantava se lamentar por isso, faríamos o que estivesse ao nosso alcance. Logo pra mim, que sou toda coração, adoro um drama, amo chorar em filme (sozinha), me torturo ouvindo mil vezes a mesma música pra me lembrar de como foi bom, ou de como foi ruim... logo pra mim, “que não sei voar com os pés no chão”. A conversa terminou com um “tudo bem, não posso lamentar por perder algo que nunca foi meu” e o olhar eternamente resignado dele.
Nesse dia dormimos juntos, e foi uma delícia como sempre.
No dia seguinte, sábado, combinamos de nos encontrar num samba onde eu estava com minha família e amigos. Ele chegou lá umas 18h, dançamos, curtimos e, no final, quando o grupo já tinha até ido embora, brigamos mais uma vez. O que aconteceu foi o seguinte: eu estava dançando, vi um espaço maior pra dançar e fui dançar nesse espaço. Meu azar: tinham cinco caras atrás de mim e eu não os vi. Vi depois que ele, já putíssimo da vida, virou meu rosto na direção dos caras “Porra, Gabi! Ali, oh, ali!!!”. Com a merda já feita, eu resolvi ligar o ventilador e jogar na cara dele a briga do dia anterior e outras cositas màs. Nesse dia ele disse que não queria dormir comigo, que eu fosse pra casa da minha madrinha ou de uma amiga, que ele estava cansado de fingir que nada acontecera, e que ele não ia ignorar os desentendimentos recentes; que esperássemos a poeira baixar para conversar. Vinte e três dias depois e pelo visto a poeira ainda não baixou.
O que se passou depois disso foi mais briga, mais estresse, e a recusa dele de ir deixar a minha mala na casa da minha madrinha no domingo porque ele teria “que atravessar a cidade...”. Mas, como quem tem amigo, não morre pagão, pedi pra um amigo fazer uma viagem infinitamente maior que a dele, me buscar, me levar lá e me trazer de volta. Ele fez, e muito feliz da vida, devo acrescentar. À noite disse a ele que anteciparia minha passagem, ao que ele respondeu “é... talvez seja melhor. Estamos nos desgastando; não quero briga, discussão, estresse, e é muito pressão pra cima de mim – é onde estamos agora. Talvez seja melhor a poeira baixar para conversarmos. Pode ser que eu me arrependa de não te pedir pra ficar, mas eu não tenho condições de ignorar tudo agora”. No fundo, lá no fundo, eu ria daquela situação ridícula por não estar conseguindo acreditar!!!! Queria falar “poeira de cu é rola, meu amigo! Eu viajei 1200km pra você querer esperar a poeira baixar? Você ta me zuando? Você é louco?”. Mas, como sempre, eu só disse aquelas babaquices que só mulher sabe dizer diante de um ser tão especial “esperava que você me pedisse pra ficar”. Ele não pediu, eu não insisti (muito). Na terça estava de volta ao Rio, tendo feito uma viagem de merda, num humor de merda, numa auto-piedade de merda, chorando litros desde a hora que eu entrei no avião até desembarcar nesse Rio de Janeiro quente como o inferno!
Antes de volta, porém, eu quis ter uma última conversa com ele. Marcamos de almoçar no shopping para desfazer aquele climão bosta que havia ficado. Eu fui muito tranqüila e muito serena ao dizer pra ele que sentia muito pelas enlouquecidas que eu havia dado; que eu não queria que ele ficasse chateado, e que eu gostava muito dele. Que aqueles dias haviam sido especiais, e que eu sempre teria muito carinho por ele. Ele disse quase as mesmas coisas, mas estava muito reticente, muito distante; ele disse que estava sem jeito, que não estava confortável, que estava estranho depois de tudo que havia rolado. A essa altura eu já tinha parado de tentar entender aquela alma que se dizia tão apaixonada e que era incapaz de me pedir pra ficar. Fomos embora, ele me pediu para não dizer pras minhas amigas o que ele falava delas, ou que dissesse sim pra elas maneirarem nas loucuras; disse pra eu me cuidar, focar no meu trabalho, que eu não me metesse em confusão. Sabe quando a pessoa que te dá um fora diz “se cuida, não vai fazer besteira, você sabe que eu gosto de você” e no fundo você tem consciência de que ela está CAGANDO? Mas é o protocolo, sigamo-no!
E desde então a gente não se falou. Apenas uma vez, depois de cinco tentativas de falar com ele no telefone, duas pelo skype e duas por mensagem sem ele atender ou responder. Mas eu não sou idiota, e dei um jeito de ele saber que eu SABIA que ele estava vendo todas aquelas tentativas de contato, e aí ele atendeu. Perguntei se ele havia achado minha carteira de motorista, que só poderia estar (e sei que ainda está) na casa dele; ele disse que – apesar de eu ter pedido isso na terça que fui embora – mais de uma semana depois ele ainda não tinha procurado... Meu nível de indignação já estava como?
Dei um mole absurdo dizendo que estava com saudade, e ele respondeu – sempre muito caloroso – “tá... tá bom”. Mas como o respeito já tinha ido pro caralho, e eu já tinha desembolsado mais de 100 R$ por conta da tal poeira, foda-se, né? Ta no fundo do poço, abraça a Sâmara: “E você? não ta com saudade?”. O que ele respondeu foi uma mistura de gagueira com surpresa, acho que ele não esperava que eu tivesse tão pouco respeito por mim. Nem precisa dizer o que ele respondeu, né?
Hoje? To vivendo cada lembrança e desgastando todos os momentos – bons ou ruins – na minha cabeça. Me forço a pensar nele, a sofrer, a chorar, porque eu quero exorcizar essa pessoa. Respeito-o demais para não fazer o que ele me pediu: esperar a p*%%@ da poeira baixar, ficar um tempo sem se falar “porque é normal, já que terminamos”,e não forçar uma situação. To na minha, não ligo, não mando mensagem, não coloca recadinho idiota no facebook (coisa que eu faria certo há um tempo atrás). Tenho certeza de que se eu fizesse qualquer uma dessas coisas ele ficaria ainda mais puto comigo. Vivo com a minha saudade do meu jeito, se ele souber dela, isso não vai fazer com que ela diminua. Não procuro – revirando todas as palavras dele – um indício de que voltaremos. Não procuro entender que tipo de paixão era a dele. Na verdade, um dia me toquei de que não adiantava lamentar o término; eu estava há sete anos num relacionamento super infeliz, e me contentava com o fato de que só viveria uma verdadeira paixão nos meus sonhos. Quantas vezes não ia dormir pensando como seria maneiro poder fazer isso ou aquilo, sem, no entanto considerar a possibilidade de terminar meu namoro? Eu estava conformada de que aquela seria a minha vida pra sempre, e eu queria aquilo. Quando eu me dei conta de que aquilo que eu estava vivendo com aquele menino lindo era como uma segunda chance, a concretização literal de um sonho eu simplesmente não acreditei. Foda-se que não deu certo, sabe? Pelo menos eu vivi, vivi uma parada que eu achei que nunca fosse viver, por escolha minha mesmo, e foi bom pra cacete!
Lógico que às vezes bate uma bad horrível. Paciência, é o resquício que fica de uma parada extremamente foda. E entendo porque está difícil de esquecer: de todas as pessoas por quem me apaixonei, todas foram esquecidas porque eu ficava com outras pessoas, principalmente porque eu tinha vontade, o que consequentemente me ajudava a esquecê-las. Gostava de um menino que me ex me ajudou a esquecer; o próprio menino lindo me ajudou a esquecer aquele ex com nome de jagunço, lembram? Entre outros... Mas, e o menino com nome de deus? Quem me ajuda a esquecer? Porque nem ânimo de sair mais eu tenho, quero mais ficar em casa, sossegada, e homem nenhum na rua me interessa: olho todos e penso “blergh! Não te quero, não”. O menino lindo e de olhos rasgados, estou tendo que esquecê-lo sozinha; sou eu e todas as lembranças BELÍSSIMAS pra esquecê-lo. E por isso que esta sendo tão difícil: esquecer sozinha, e esquecer só tendo coisa boa pra lembrar.
Eu não estou triste, de verdade! Sem essa preocupação de namoradinho, ficandinho, paquerinha, bla bla bla, to tendo todo o tempo do mundo pra me dedicar ao meu trabalho, que estou gostando como nunca, e a mim – estudando, malhando, enriquecendo o espírito. No fundo, não se preocupar em falar a coisa certa, na hora certa é um alívio muito grande.
É claro que eu sinto falta dele e queria muito estar com ele ainda. Mas também sei que esse meu “retiro espiritual” das gandaias da Lapa e das bocas desconhecidas, esse meu retiro forçado dele mesmo, só me reservam algo muito maneiro...será?